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sexta-feira, fevereiro 13, 2004
Uma historinha sobre uma menina grávida, um comentário da minha colega, e começo a pensar sobre isso. Eu, solteira, chegando aos trinta, sou obrigada a pensar nessas coisas. Filhos ou năo filhos, eis a questăo. O que fazer?
Faz tempo, muito tempo, numa das minhas viagens ao Brasil, fui visitar a Febem, em Săo Paulo. Minha amiguinha, loira, meio sem ideias na cabeça, mas muito divertida, estava namorando um moço. Ele, bonito (olhos verdes), advogado, esforçado... Enfim, bom partido. Năo se pode perder um homen desses, certo, meninas? Pois é. Minha amiga năo estava querendo arriscar nada. Quando ele sugeriu uma visitinha ŕ Febem, ela aceitou. Resolveu me levar junto. Eu sou fácil, vou qualquer lugar, com qualquer um. Fui junto.
Fomos ŕ secçăo de crianças de rua, abandonadas. Dos zero aos 10 anos, acho. Filhos de drogados, prostitutas, ou simplesmente órfăos, abandonados. Minha amiga toceu o nariz. Que coisa é essa?
Entramos, num longo corredor, cheio de quartos. Os quartos tinham grandes janelas de vidro, por onde as visitas, curiosas, podiam espiar as crianças. Era um domingo tranquilo, solzinho gostoso, e perto do natal. A boa fé natalina tinha trazido algumas visitas, 4 ou 5 outras pessoas, que passeavam pelo corredor. Era hora de descanço, as crianças dormiam. Alguém tinha passado por cada caminha, algum office-boy do papai noel, pra deixar os presentes. Criança da Febem também tem direito ŕ presentes de natal. As meninas ganharam uma calcinha de algodăo, os meninos, uma cuequinha. Eles foram acordando, pouquinho a pouquinho. A alegria de cada um, ao encontrar aquele pedacinho de pano colorido ao pé da cama, era indescritível. Tanta emoçăo, gratidăo, e simples felicidade, me deixaram com um nó na garganta.
As crianças foram acordando, e saindo dos quartos. Vinham conversar com o pessoal no corredor. Os mais corajosos, menos tímidos, se jogavam nos nosso colos, seguravam os nosso pescoços. Muito carinho, a atençăo. Me sentia a mais bonita, mais amada do mundo. Elas contavam histórias, se aprensentavam, me levavam aos outros quartos, apresentavam os irmăos, primos, amigos. Me acariciavam os cabelos, pediam minhas pulseirinhas de presente. Me mostraram o refeitório, o banheiro (tomavam banhos frios, uma coordenadora segurava uma mangueira, e eles se ensaboavam), e o pátio (um quadrado de cimento, com uma cerca em volta).
Passei algumas curtas horinhas com essas crianças, de todas as cores, tamanhos, e personalidades. Depois voltamos pro carro da minha amiga, com ar-condicionado e CD. Fomos de volta ŕs nossas casas, nossas vidinhas protegidas e privilegioadas. Nunca mais voltei ao Febem. Nunca mais vi aquelas crianças. Mas nunca vou me esquecer delas. Ficou um quentinho no meu coraçăo, e lembrança de cada par de olhinhos, cheios de esperança, me olhando com tanto carinho.
Depois me perguntam quando vou ter filhos? Quando vou me casar com um moço bonito (de preferencia com olhos verdes), e quando vou comprar uma casa, e ter meus filhos, branquinhos, a cara dos pais? Meus filhos com meu DNA, com minha inteligęncia, e com as pernas fortes do pai? E năo entendem porque năo quero filhos. Năo preciso. Existem milhares de crianças nesse mundo, sem ninguém. Já foram previamente fabricadas. Pra que fazer mais? O dia que eu quiser passar o que eu tenho ŕ próxima encarnaçăo, adoto uma criança de rua, e passo minhas ideias, minha filosofia de vida. Ensino respeito, a vontade de aprender, e minha cultura. Porque ter o narizinho parecido com o pai, tia ou prima, estou pouco me fudendo!
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