Google
Google Pipoca Doce


Nome e blog:

Comentário:

E-mail:



quarta-feira, setembro 01, 2004


Amor incondicional é amor materno. Pelo menos, é isso que dizem por aí. Minha mãe tem todo o amor do mundo, isso com certeza, mas ela tem o dever de ser mãe: educar, ensinar (mesmo as coisas que eu não queria aprender), controlar, limitar, ensinar os valores morais que todos nós temos. Muitas vezes se irritava (e se irrita) com os meus defeitos. Critica, pra melhorar quem sou. Me guia, com seu jeito delicado, a ter os gostos que ela tem. Afinal de contas, é mãe.
Amor incondicional mesmo, total e absoluto, só existe um: o da minha avó. Vovó nunca criticou, nunca limitou, nunca reclamou. Tudo o que eu fazia era lindo. Sempre. Passei a minha infância indo na casa da vovó pra sentar o dia todo no sofa, comer doces e assistir desenhos animados na TV. Não tinha TV em casa, naquela época. Meus pais tinham princípios. Mas vovó acabava com eles. Me dava um banho de televisão com açúcar refinado. A geladeira dela era uma caverna do Ali Baba. Doces, sorvete, refrigerantes, bolos, chocolates. Do lado da porta ela tinha uma caixinha mágica, cheia de balas. As balas nunca terminávam.
Vovó nunca se zangou comigo, nunca se chateou, nunca levantou a voz. Na casa dela a liberdade era total. Ela me pegava no colo, me abraçava, beijava. Me fazia carinhos.
A única coisa que me pedia era um casamento na igreja. Porque esperou a vida toda, mas nenhum de seus filhos se casaram na igreja. Sou a neta mais velha. Ela não gostou quando ficou sabendo que morava com um moço, sendo solteira. Isso não era bom. Mas ela nunca disse isso pra mim. Deu voltas, manipulou e empurrou todos, mas nunca me disse nada.
Contava histórias sobre os anjinhos no céu. Horas e horas passamos, deitadas na cama, imaginando o paraíso. Ela me ensinou a fazer três desejos cada vez que entrava numa igreja. Mas um deles era obrigatório: que titia se casasse. Os outros dois eram de minha autoria.
Quando fui morar na Inglaterra, pequenininha, aprendi a rezar o Pai Nosso na escola, em inglês. Ela me levou pra sua igreja, e me colocou em pé, do lado do padre, pra rezar, na frente de todos. Lembro como se fosse ontém. Eu vestia uma blusinha e sainha verdes. E não tive medo. Sabia que vovó nunca teria me colocado lá se não fosse uma coisa boa. Rezei, no microfone, sem saber muito bem o que estava acontecendo, mas tendo a certeza que ela cuidaria de mim. E que tinha todo o orgulho do que eu fazia.
Tantas memórias me vem a cabeça quando lembro dela. Me ajudou a ser mulher. Foi com ela que aprendi que moças são vaidosas, pintam os cabelos, fazem as unhas, passam cremes. Ela me ensinou que mulheres não deviam ser megrelas. Ela pegava no meu braço pra ver, cada dia, se ele tinha engrossado, se eu tinha comido direito. Queria me comprar uma calcinha com bundinha, porque era muito magra na adolescência, e um pouquinho de espuma embaixo da calça não faria mal a ninguém. Mas mesmo com esses defeitos todos, meu corpo era bonito, perfeito, pra ela. Porque eu era sua princesa.
Agora está velhinha. Precisa de ajuda pra andar, pra comer. Mas quando fui vê-la pela última vez, ela sentou no terracinho comigo, e tomamos suco juntas, e conversarmos no solzinho. Ela queria fazer as unhas, e uma depilação. E perguntou sobre o que ando fazendo, e sobre minha irmã. Queria saber sobre a nossa vida em Paris.
Mas agora ela está morrendo. Já chegou na hora. Ela viveu muito, e bem. E tinha uma quantidade infinita de amor pra dar. Ela acredita tanto no seu paraíso que vai pra lá, encontrar meu avô, que a espera ha anos. Tenho certeza.




Bruna 11:08 AM



///This page is powered by Blogger. Isn't yours?///