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quarta-feira, outubro 13, 2004
Os Franceses no Volante.
Tirei carteira de motorista aos 18 anos (mais de 10 anos atrás). Na época morava em São Paulo. Naquele tempo as coisas eram bem mais fáceis: tinha o teste teórico, o teste psicotécnico, e o prático. Eram todos os três ridiculamente fáceis. Tanto é que passei sem ao menos saber dirigir. O prático era uma volta no quarteirão. O importante era lembrar de por o cinto de segurança, ligar o pisca-pisca, e ajustar o espelho. A parte que me deu medo era ter que parar o carro numa "ladeira" (semi-plana) e recomeçar com o freio de mão. Quando foi hora de fazer essa parte, o moço abanou a mão em minha direção e disse que não precisava parar.
A verdade é que aprendi a dirigir na Alemanha. Logo depois de ter tirado a carteira, fui morar em Dusseldorf com meus pais. Minha mãe tinha um lindo Honda Accord, que ela me deixava dirigir. No começo o carro morria em todo farol vermelho, e muitas vezes simplesmente na hora de trocar a marcha. Eu tinha muito talento, naquela época! Como o povo alemão é extremamente bem educado, tinham infinita paciência com minhas manobras. E as regras de transito do país são perfeitas. Quando, por exemplo, tem um afunilamento na estrada, eles colocam uma placa de um zíper na rua. Isso significa que os carros devem passar um por um, dando preferência uma vez pra cada lado. Como os dentinhos de um zíper. O que é maravilhoso num país como aquele é que isso funciona!
Depois, bem depois, voltei pro Brasil, e (com bastante medo) comecei a dirigir por lá. Aprendi, sem muitos problemas, e hoje em dia pego a Marginal Tietê, ou qualquer outra estrada, sem problemas. E dizem que quem dirige no Brasil consegue dirigir em qualquer lugar.
Mas ... na França ... Isso sim é outra história! As ruas são estreitas, tem carros e caminhões estacionados em cada centímetro quadrado, e tudo é uma confusão. A primeira vez que fui entender o que acontecia com carros nesse país, ainda morava na Alemanha. Uma das nossas vizinhas veio morar em Paris. Ela tinha um carrão bonito, branquinho e lustroso. Dirigia pra todos os lados com ele, em todos os cantos da Alemanha. Mudou-se pra França. Alguns (poucos) meses depois, voltou pra Dusseldorf, pra visitar. O carrão estava todo amassado, enferrujado, riscado em todos os lados. Perguntei se ela tinha tido um acidente. Ela explicou que não, claro que não. Disse que morando em Paris a gente aprende a se desprender dos carros. Porque esses não sobrevivem.
Existe uma rotatória, a "Etoile", no topo do Champs Elysées. Quem estiver nela tem a certeza de que nenhuma firma de seguro cobre os carros enquanto estão dentro dela. Ela tem a largura de umas seis faixas, mas não tem nenhuma marca no chão. Ou seja, ninguém tem noção de onde estão, ou pra onde vão. Na Inglaterra as rotatórias funcionam numa lógica simples: quem estã dentro tem a preferência. Ou seja, em geral você entra com a certeza de que vai poder sair do lado que você precisar, sem dificuldade alguma. Na França a preferência é de quem vem da direita. Isso significa que a rotatória vai enchendo, enchendo, e fica cada vez mais difícil de sair. Agora imagine você preso dentro de um negócio desses com a largura de seis faixas invisíveis!
Ainda hoje fico impressionada quando vejo a maneira dos parisiences de estacionar. Entendo que tem falta de estacionamento. Entendo que deve ser muito frustrante dar voltas no quarteirão durante 20 minutos, tentando estacionar o carro. Mas eu nunca teria a corágem de entrar numa mini-vaga, com um mega-carro, e empurrar, empurrar, até encaixar. Encostar no carro da frente ou de trás não parece ser um problema. Mesmo dar uma empurrada até conseguir deslocar o vehículo de meio metro, é aceitável, e mesmo normal. Agora pouco vi um velho que arrancou metado do para-choque do vizinho, entrando de lado numa vaga obviamente pequena demais pro seu carro. Ele entrou com um estrondo, foi empurrando, fazendo aquele barulho de plástico quebrando básico, e se encaixou com uma roda em cima da calçada e outra do lado de fora da faixa, lá no meio da rua. Fiquei olhando, horrorizada, mas o povo nem piscou.
Não sou capaz de pegar um carro nessa cidade. Os que dizem que dirigir no Brasil prepara as pessoas pra qualquer coisa nunca viram os motoristas parisiences em ação!
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